Como manter a motivação em tempos difíceis?
Além da crise econômica gerada pela pandemia, a falta de rendimento no trabalho também pode interferir nos resultados das empresasPublicado em 02/07/2020
A pandemia do novo coronavírus trouxe mudanças para a maioria das organizações. As empresas tiveram de adotar rapidamente novos formatos de trabalho. No entanto, além da adaptação a logística do home office, a mistura de crise econômica, instabilidade política, conflitos sociais, aliada ao aumento do desemprego, parecem ser uma receita infalível para desmotivar qualquer profissional.
Em um cenário de incertezas, encontrar motivação no trabalho tem sido uma das principais preocupações para líderes, gestores e profissionais de RH. Afinal, por algum tempo, ainda teremos de lidar com a ameaça iminente do vírus e com o medo da perda de amigos, parentes e colegas de trabalho. Diante disto, conseguir manter uma equipe engajada e motivada, disposta a enfrentar a crise e vestir a camisa da empresa mesmo durante a pandemia, não é uma tarefa das mais fáceis.
Em seu livro “Por que fazemos o que fazemos?” o filósofo, educador e palestrante Mário Sérgio Cortella, cita: “para encontrar motivação em tempos difíceis é preciso aprender a viver a restrição, do mesmo modo que se aprendeu a viver a fartura. Não é agradável ter restrição, nunca o é, mas aprender a lidar com isso faz parte da formação da carreira de alguém. Assim como quando sofremos algum percalço na saúde e precisamos aprender a fazer dieta, a nos privar de comer alguns alimentos que nos dão satisfação. É preciso encontrar caminhos e compreender que são períodos. Qualquer sistema de organização do mercado de trabalho é submetido a oscilações”. As palavras contidas na obra lançada em 2016, podem ser perfeitamente aplicadas ao contexto atual.
No livro, o professor afirma que a motivação é um movimento interno. “Há uma frase antiga segundo a qual “motivação é uma porta que só abre pelo lado de dentro”. A motivação tem um nível de subjetividade, e isso significa que ela parte do sujeito. É necessário entender que, embora a palavra ‘motivação’ signifique mover, movimentar, fazer com que haja o ponto de partida para algo, ela é um estado interior”.
Para Cortella, a principal causa da atual desmotivação é a ausência de reconhecimento. “Quando o profissional não é objeto de gratidão pelo que faz. Embora o indivíduo saiba que é um empregado, ser só “mais um” empregado é um fardo muito maior. Ser só mais um não significa não ser nada. E que, portanto, o não reconhecimento do valor, do resultado do trabalho, da colaboração no projeto coletivo, é absolutamente frustrante”.
A motivação do colaborador deve ser prioridade nas empresas
Em um artigo publicado na revista Forbes, a socióloga do trabalho norte-americana Tracy Brower, afirma que no novo mercado de trabalho, os gestores estarão cada vez mais envolvidos no engajamento e motivação dos seus funcionários, independente de trabalharem in loco ou em home office. Ela também aposta que as organizações terão uma preocupação maior com a saúde mental e emocional dos trabalhadores e buscarão oferecer benefícios e soluções para lidar com a questão.
Para a especialista, muitos empregadores adicionaram sistemas de suporte a funcionários como resultado da crise do coronavírus, e é provável que essa nova programação seja mantida. “As empresas foram forçadas a considerar o bem-estar dos funcionários de forma mais holística – em termos não apenas do bem-estar físico, mas também mental e emocional. Os centros de bem-estar criados durante as meditações pandêmicas ou matinais que a empresa começou a oferecer provavelmente continuarão. Além disso, as empresas estão aprendendo a importância do envolvimento e da motivação dos funcionários – não importa onde as pessoas estejam trabalhando – e esse conhecimento informará um maior nível de suporte aos funcionários”, afirmou.
Thais Medina, diretora da Business Factory, acredita que para manter o colaborador motivado durante a pandemia é preciso, antes de qualquer coisa, olhar para o time como pessoas e não profissionais. “Você já perguntou à sua equipe hoje como estão as coisas em casa, se todos estão com saúde, se a adaptação do filho às aulas online está sendo tranquila?”, questiona.
Ela defende que interagir, envolver, comunicar e ser transparente são ainda mais fundamentais neste momento. “Se antes tínhamos o horário do cafezinho, do almoço ou um simples bom dia para entender se o nosso time estava bem e motivado, agora não estamos mais no mesmo ambiente físico. É hora de buscarmos ações e atividades, além das inúmeras reuniões de trabalho. Que tal uma “festa julina” à distância ou um happy hour”, sugere.
Matheus Jacob, fundador da Conte, especializada no treinamento de empresas e líderes em habilidades de comunicação e liderança, defende que cabe ao líder, ao gestor e até mesmo ao colaborador, encontrar formas de maximizar estes canais de motivação ou de minimizar os impactos da pandemia. “Conectar pessoas por meio do digital, investir em transferir o conhecimento e transmitir segurança são algumas das formas possíveis”, comenta.
Para Medina, mesmo à distância é possível medir a satisfação e motivação dos colaboradores. “Primeiramente no dia a dia e a partir do momento que você traz o DNA da empresa com muita clareza. Na empresa, a distância física gerou uma proximidade ainda maior entre operação e gestores e nas reuniões semanais é possível medir o clima e, ainda que indiretamente, a motivação, tomando ações de estímulos e/ou corretivas em tempo real. E, claro que não podemos deixar de falar sobre a importância do feedback e avaliação de desempenho neste momento, essenciais para identificarmos pontos de melhoria nos colaboradores individualmente, como um time, na empresa e em processos. Ao ser ouvido e ver um plano de ação colocado em prática com base no que apontou, a equipe sente que colaborou com o resultado final e a conquista dos resultados que queremos atingir se torna mais próxima”, explica.
“Sob o ponto de vista psicológico, com a tendência apontando cada vez mais para o home office, as empresas e gestores precisam agir para manter a equipe motivada, mesmo à distância. Com líderes presentes e capazes de se conectar com cada colaborador e também conectar a equipe como um todo. Assim nos sentimos cuidados, orientados e pertencentes a um grupo. Vencemos, dentro do possível, as barreiras da virtualidade”, pondera Jacob.
Medina salienta que a Business Factory já ofertava a possibilidade de home office um dia por semana e enxerga a possibilidade como uma válvula de descompressão. Ela afirma que a produtividade sempre se manteve presente, e muitas vezes, até aumentava quando o colaborador trabalhava de casa.
“Entramos em home office fixo no dia 17 de março, imaginando que duraria por volta de três meses, mas já decidimos que pelo menos até o fim do ano não trabalharemos no mesmo ambiente físico novamente. Mudar a forma como se trabalha é um grande desafio para todos. Um ponto que chamava a nossa atenção e gerava cuidados especiais, era a comunicação, seja entre os times, com os clientes ou tratando adequadamente as informações recebidas. Entendo que é no momento de superar desafios que somos mais criativos e ágeis. Em um dia tiramos do papel projetos que estávamos discutindo há semanas e colocamos para rodar a nossa comunicação interna em um novo formato e usando a tecnologia para nos ajudar, implantando um CRM para os nossos clientes e facilitando o acesso às informações por todos os envolvidos em cada projeto”, comenta.
Para manter a equipe motivada mesmo à distância, Medina revela que a empresa vai manter as ações de endomarketing planejadas para o ano, porém adaptando à nova realidade. “Estamos trabalhando na adaptação dessas atividades para que não deixem de acontecer. No dia de aniversário do colaborador, por exemplo, ele recebe em casa um cartão personalizado com mensagens a mão, assinadas por todos os demais integrantes do time e também cantamos parabéns. No dia de aniversário de empresa, ele passou a ser impactado com uma comunicação por e-mail e ainda fazemos “festa” no nosso canal de comunicação interna. A pandemia também nos fez comemorar ainda mais situações como entrada de novos clientes e retomada de contratos que haviam sido suspensos, além dos elogios que recebemos”, diz.
A gestão centrada nas pessoas reflete na motivação
De acordo com o Estudo Global de Tendências de Talentos 2020 da Mercer, um em cada três funcionários diz preferir trabalhar para um empregador que mostre responsabilidade com todos os stakeholders, não apenas para acionistas e investidores.
A pesquisa indica também que a experiência do funcionário é a principal prioridade do RH e 58% das organizações estão passando por mudanças para se tornarem mais centradas nas pessoas. No entanto, apenas 27% dos altos executivos acreditam que a experiência dos funcionários trará algum retorno ao negócio. E, embora 61% dos funcionários confiem no empregador para cuidar de seu bem-estar e 48% dos executivos o classifiquem como uma das principais preocupações da força de trabalho, apenas 29% dos líderes de RH têm uma estratégia de benefícios de saúde e bem-estar estruturada. Ainda de acordo com a pesquisa, apesar da transformação do RH estar no topo da agenda das organizações, apenas 40% dos líderes da área dizem ter uma estratégia integrada de pessoas.
Para Medina, passar segurança e manter a transparência também têm sido essenciais neste momento. “Mensalmente temos um status para falar sobre como está nossa gestão financeira, o que foi feito até então, como estamos agindo em relação a buscar novos negócios, parcerias e oportunidades e quais os próximos passos. Inclusive, envolvemos a equipe para que também possam sugerir ações a todo o momento. Acreditamos no empoderamento do time e que juntos sempre podemos ir mais longe”, afirma.
A gestora conta que durante a pandemia nasceu na empresa, um novo projeto chamado #PluralBF, que engloba ações relacionadas à diversidade em todas as suas formas. “Ele está sendo conduzido por um comitê de colaboradores para que todos nós possamos aprender ainda mais a cada dia e nos tornemos pessoas, não apenas profissionais, melhores”, comenta.
Para Jacob, alguns fatores podem impactar a motivação profissional, e esses por sua vez, possuem valores distintos para cada indivíduo. “De certa forma, podemos agrupá-las em cinco fatores principais: aquisições materiais, desenvolvimento de habilidades, reconhecimento, sentimento de pertencimento e uma certa estabilidade. Cada um destes fatores possui importâncias distintas para cada pessoa. Porém, se olharmos um a um, todos ficam de certa forma impactados pelo cenário de pandemia”, analisa.
O consultor avalia que na retomada das atividades, é importante que a gestão dê atenção aos cincos pontos apresentados. “Se a gestão conseguir dar atenção para estes pontos, sem dúvida conseguirá encontrar formas práticas de reconectar as equipes. Pois, capacitação, team building, feedbacks e reconhecimento de tudo que foi feito à distância serão fundamentais nesse momento”, conclui.
Leia também: