Página Principal Revista EBS

Um panorama do setor de eventos europeu em meio à segunda onda de Covid-19

Torre de Belém - Foto: Wirestock/Freepik
Gestores de eventos com atuação internacional analisam a atual situação da indústria de eventos no continente e compartilham insights sobre o futuro do setor.

Com o avanço da segunda onda da Covid-19 na Europa, cerca de 12 regiões adotaram medidas restritivas para tentar conter o avanço da epidemia no continente. Enquanto alguns países optaram por um lockdown mais flexível, outros apostam em toques de recolher menos centralizados.

A Alemanha adotou oficialmente um lockdown parcial de um mês para tentar reduzir os efeitos da segunda onda da pandemia no país. Desta vez, as medidas estão mais concentradas nos estabelecimentos de entretenimento. A França decretou lockdown parcial que deve durar pelo menos até 1º de dezembro. Escolas continuarão abertas e funcionando, enquanto comércios não essenciais permanecerão fechados. Fronteiras com outros países da União Europeia continuam abertas.

No Reino Unido, ao contrário do que aconteceu na primeira onda da Covid-19, as restrições também são mais brandas. A Itália, um dos países mais afetados na primeira onda da doença na Europa, também adotou um lockdown mais flexível do que antes. As novas medidas restritivas do país devem durar até 24 de novembro.

Leia também: Reino Unido permitirá grandes eventos de negócios com capacidade para 4.000

Em Portugal a orientação é para sair de casa somente em casos de emergência. A regra volta a valer em 121 regiões. A lista de cidades impactadas pela decisão será reconsiderada a cada 14 dias.

Após um período de queda no número de casos no Brasil, cientistas e autoridades de saúde já afirmam que estamos diante da segunda onda do novo coronavírus. Em recente entrevista à BBC, o pesquisador Domingos Alves, responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, afirma:

“Nossa segunda onda vai ser mais parecida com a dos EUA do que com a da Europa, porque a Europa conseguiu controlar de verdade a transmissão, que voltou com força depois do verão, quando as pessoas foram viajar e trouxeram novas cepas do vírus para casa. Nos EUA e no Brasil não houve um real controle da pandemia. Nunca conseguimos controlar a transmissão comunitária. O que gerou quase uma sobreposição entre as ondas de contágio”.

Diante do aumento no número de casos de contaminação registrados nas últimas semanas, o governo do estado de São Paulo suspendeu a fase azul do plano de flexibilização da quarentena. Essa fase previa a liberação de todas as atividades. Seria a última fase para retomar as atividades gradualmente, mas essa possibilidade está suspensa e sem nenhuma previsão de retorno.

A revista EBS conversou com dois gestores experientes da indústria de eventos na Europa, e que também atuam em outros países, sobre a situação atual do setor de eventos na região que enfrenta a sua segunda onda de contágios da Covid-19.

Linda Pereira, CEO da CPL Eventos, empresa sediada em Lisboa, Portugal e António Brito, consultor Internacional em Gestão e Marketing de Feiras e Eventos, traçam um panorama do setor de eventos na região e contam como as empresas estão se reinventando e inovando durante esses tempos desafiadores. Eles também explicam como foi o apoio recebido pelo governo local e quais as suas expectativas em relação ao futuro dos eventos.

Na opinião de António Brito, este é um ano praticamente perdido na indústria de feiras e eventos, pois os eventos que foram realizados nesta fase tiveram pouca expressão, mas foram importantes para afirmar que a indústria continua viva e que é seguro participar de feiras e eventos presenciais.

António Brito – Foto: Assessoria

“Do ponto de vista econômico, foi e está sendo um desastre, com perda de mais de 80% do faturamento e milhares de empregos perdidos, além de muitas empresas da indústria de feiras que estão sem trabalho e outras que quebraram ou com pouca perspectiva de melhora sem saber quando poderão retornar”, comenta.

Brito, participante ativo de eventos na Ásia, garante que nem todo o cenário é negativo, devido à capacidade do setor se reinventar e se ajustar às necessidades.

“Se por um lado desenvolvemos todos os protocolos de segurança necessários para demonstrar que participar de feiras é seguro, por outro, criamos modelos de eventos híbridos, que embora não sejam rentáveis de momento, permitiram desenvolver um modelo de futuro que, sem dúvida, irá alavancar muitos modelos de feiras e amplificar a visitação e participação, caminhando sim para os eventos híbridos como valor agregado, mas nunca como substituto do presencial”, analisa Brito.

Linda Pereira – Foto: Assessoria

De acordo com Linda Pereira, o governo de Portugal tem apoiado o setor de eventos através do pagamento de 66% dos salários para garantir os empregos, sendo o empresário responsável pelo montante restante. Também foram criados subsídios para ajudar a tornar os eventos mais seguros.

Em conjunto com o setor bancário, linhas de crédito foram disponibilizadas com garantias do estado e com taxa de juros zero. Ainda assim, segundo ela, os apoios são insuficientes e o governo está estudando ampliar essa ajuda a partir de dezembro.

António Brito concorda que o auxílio do governo português não será suficiente para garantir a sobrevivência das empresas e diz que existem outros países na Europa que injetaram capital direto para manter os postos de trabalho, assim como permitiram algum alívio tributário, e agora aguardam o apoio financeiro por parte da União Europeia para que economia não colapse.

“O perigo que estamos correndo em todo o mundo, vai além do problema de saúde pública, que só será resolvido com uma vacina e se não morremos da doença, corremos o risco de morrer da cura”, diz.

Foto: Portugal Exportadora – Local: Centro de Congressos de Lisboa

Lições e oportunidades para o setor de eventos

Profissionais de saúde consideram que a Europa, em comparação com o Brasil, está dois meses na frente da pandemia, por isso é importante observar o que acontece por lá para desenhar o melhor plano possível por aqui. Neste sentido, as empresas de eventos no Brasil têm uma pequena vantagem e podem tirar algumas lições com base na experiência europeia.

Linda Pereira conta que a maioria das empresas por lá adaptaram seus negócios para o online e que além de eventos online, tem acontecido experiências online, como eventos sociais e de natal, por exemplo. “Tem sido realmente soluções muito criativas e temos visto os eventos online sendo muito bem aceitos. O problema reside na hotelaria e na restauração, com um aumento substancial de encerramentos e mudança de negócios”, pondera.

Para Brito, as principais lições que o setor de eventos pode absorver da pandemia são transversais e dizem respeito ao comportamento humano. “Tivemos a segunda onda porque nossa sociedade relaxou no comportamento e esqueceu todos os protocolos de segurança e higiene que mantivemos e respeitamos durante a primeira onda. É preciso manter esses cuidados no nosso dia a dia. Os sistemas de saúde têm que ter espaço e condições para poder trabalhar, temos que aprender a viver com o vírus, tudo só vai passar quando tivermos vacina. A única forma atual é mudar o comportamento social e nos manter atentos, respeitando os outros e protegendo os mais frágeis”, enfatiza.

Já para Linda, o mais positivo da pandemia tem sido a união do setor de eventos e a formação de novas parcerias. “Tem surgido muitas parcerias entre pequenas e microempresas, que se uniram para partilhar, custos, recursos humanos, conhecimento e clientes. Assim criam a capacidade de agregar serviços às suas carteiras e providenciar uma gama mais vasta de oferta ao cliente. Estas atitudes empresariais têm resultado na sobrevivência de muitas empresas e do estabelecimento e confiança por parte dos clientes. Também os municípios têm optado por recorrer as pequenas e microempresas em vez das grandes”, afirma.

Na visão de Brito, a indústria de eventos sempre soube “retirar vantagens das desvantagens” e a pandemia, trouxe mais consciência ambiental, mais relacionamento entre todos os players e uma nova forma de olhar para o mundo seja de forma social, econômico, ou político.

“Este período impôs a necessidade de manter contato ativo com clientes e de nos ajudar como um todo, assumindo os promotores, através das suas feiras, um posicionamento de solidariedade e de relacionamento fora do âmbito de uma feira. Isso traz seguramente uma maior confiança por parte dos clientes, que deixam de ver só do ponto de vista de quem quer vender alguma coisa e nada mais. Trouxe também um entendimento do quanto é importante entender as necessidades do nosso cliente e assim podermos ajustar a oferta a necessidade da demanda e não somente vender m2, pois uma feira é muito mais do que isso. A tecnologia possibilitou uma nova forma de relacionamento e de trabalho, pois também permitiu desenvolver e reforçar os conceitos híbridos que permitirão também alavancar o nosso negócio com propostas de valor para os nossos clientes”, elencou.

Na opinião de Linda, a pandemia contribuiu para acelerar a inovação, a criatividade e a digitalização do setor de eventos “As cadeias de valor de um evento e todos seus integrantes, desde palestrantes, facilitadores, apresentadores, expositores e participantes se transformaram e se adaptaram. Todas as empresas aceleraram mudanças e tem se verificado uma maior oportunidade para pequenos eventos através do online. Como não é possível simplesmente transferir um evento presencial para um online, tem surgido muita criatividade por parte das empresas até para tours, gaming, eventos sociais e etc”, afirma.

Para ela, o maior impacto foi observado nos modelos de negócios que serão alterados definitivamente. “Hoje um organizador de eventos é mais um realizador de televisão e um produtor. Todos nós queremos novas formações, novos conhecimentos mas acima de tudo, novas atitudes” complementa.

Foto: Pixabay/ Gerd Altmann

Mudança de paradigmas

Um item que deverá ser cuidadosamente observado no pós-pandemia, diz respeito às certificações, que passarão a abordar as questões referentes aos novos protocolos de segurança e higiene advindos da pandemia.

“As certificações internacionais como o CEM (Certified in Exhibition Management) que já tinham inclusive um módulo dedicado em exclusivo a Gestão de Risco em eventos, sempre existiram porque não existe risco zero na nossa atividade, e temos que entender que somos responsáveis por pessoas e bens nos nossos eventos tendo a responsabilidade de aplicar planos de contingência que possam garantir essa segurança. Com a situação atual e a pandemia da Covid-19 sendo o risco de saúde já previsto na análise de riscos, há procedimentos que devemos seguir, para que seja possível mitigar os riscos e responder a uma crise como esta”, argumenta Brito.

Linda acredita que as mudanças relativas à prevenções implantadas pós-pandemia vão permanecer para sempre. Ela conta que nos eventos que participou, havia desinfetante na entrada de todas as salas, tudo que se entrega a um participante foi embalado individualmente, não houve nem jantares nem almoços, as equipes usam máscaras e luvas. Além disso, todos os eventos contara com sala de isolamento, caso seja possível, e distanciamento físico obrigatório. Os participantes têm que fazer o credenciamento prévio e é atribuído um lugar numerado e não poderão ocupar outro lugar durante todo o evento. Sempre que há intervalo a sala é completamente desinfetada. Entre cada orador todo o palco e equipamento é desinfetado e não há zonas de lazer.

“Logo teremos a vacina e vamos saber lidar com o Covid-19, mas estes acontecimentos nos trouxeram um despertar para a necessidade de muitos cuidados com os eventos a nível de segurança e saúde. Tal como os eventos híbridos, isto é uma área que vai mudar para sempre o modus operandi dos nossos eventos. Já estamos formando equipes em toda a Europa e cada vez mais estes conhecimentos vão ser relevantes e decisivos. O importante, a partir de agora, é aumentar a confiança dos nossos clientes. Só assim o nosso setor terá futuro”, destaca Linda.

Brito, que visitou alguns eventos físicos B2B e B2C em Portugal, conta que do ponto de vista de segurança e higiene foram exemplares e que todos os protocolos foram implantados e respeitados, garantido a segurança de todos os participantes: controle do número máximo de pessoas dentro pavilhão, higienização permanente, garantia de distanciamento, medição de temperatura, corredores com duas mãos, produtos de desinfecção em toda as áreas públicas e nos stands, uso de máscara obrigatória, túneis de desinfecção, foram alguns deles.

“A diferença obviamente está na dimensão da feira e nos resultados. Em todos os eventos que tive oportunidade de participar, a visitação é bastante baixa e por consequência a aposta dos expositores também é limitada, não permitindo desta forma que o evento seja rentável. A nossa indústria é resiliente e tem capacidade de reinvenção, mas esta situação é única e com resultados inimagináveis. Só resta fazermos nossa parte, nos esforçarmos para nos ajustar a uma realidade e retirar as lições deste problema”, conclui.

Leia também: O retorno da indústria de Eventos no Brasil

Relacionados

Conferência Europeia UFI termina com sentimento de otimismo para o futuro do MICE

Lideranças avaliam turismo corporativo em 2022

Feira EBS completa 20 anos dedicados ao mercado de eventos corporativos, incentivos e treinamentos

Maior feira de construção da América Latina é comandada por mulheres